Belle de Jour

  • Publicado em: 25/02/15
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  • Autoria: LOBO
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- Cem está bom?


Ela olhou para o lado. Encostado à calçada por onde ela ia apressada, um carro havia estacionado. Vidro da porta abaixado, um motorista constrangido lhe diz:


- Desculpe moça! Desculpe!... Não olhei direito, eu me confundi...


Estava atrasada. Não perdeu tempo com o fato. Tinha que correr ou perderia seu ônibus.


Já há mais de três anos estava morando em Valinhos, na região de Campinas. Marido havia conseguido bom emprego por lá. Abandonou o seu em São Paulo. Mas logo - tinha bom nome no mercado - conseguiu obter alguns contratos, dando consultoria em sua área - Recursos Humanos - a empresas de pequeno e médio porte.


Montou um home office, vez por outra se deslocava até a capital para reuniões com os clientes. Agora tinha dois contratos com duas empresas, ambas perto uma da outra, sediadas bem junto à entrada do campus da Universidade de São Paulo.


Em função disso, vinha à cidade todas as terças e quintas. Descobriu que um grupo de pessoas morando em Valinhos lecionava na USP e tinha um ônibus fretado. Foi perfeito. Detestava dirigir, e afora isso, o horário fixo da passagem do ônibus era sempre uma boa desculpa para terminar alguma reunião que quisessem prolongar além do necessário.


Sua vida profissional ia muito bem. Estava ganhando até mais do que recebia como gerente de empresa. E tudo com o conforto de trabalhar em casa.


Mas como agora tinha mais tempo para si, cada vez mais se dava conta de que fora o lado profissional, tudo o mais em sua vida se passava numa temperatura não mais que morna.


Seu casamento, de mais de quinze anos, era de uma amizade e companheirismo enternecedores. Mas quanto à sensualidade...


Na última empresa em que trabalhou, tinha uma colega, Ana Claudia, separada, que sempre lhe contava coisas que mexiam com sua cabeça. As aventuras que Ana - descasada convicta - tinha, os sites da net que freqí¼entava, as descobertas, tudo isso a intrigava. Ouvia Ana confidenciar suas aventuras e sentia como que houvesse uma outra mulher dentro de si querendo despertar...


Ela nunca antes tivera tempo para entrar em sites e chats da net, mas agora, trabalhando em casa, estando só, filhos e marido fora, sempre sobrava uma oportunidade. Primeiro foi uma curiosidade. Depois, algo mais, um desejo de buscar algo novo. Algo que mexesse com uma rotina que a incomodava.


Passaram-se algumas semanas, até que numa quinta teria que fazer uma apresentação numa daquelas empresas. A coisa iria além das seis da tarde. Não houve jeito, dessa vez teve de abrir mão do ônibus e vir com seu carro.


Na volta, mais de sete e meia da noite, passou por aquela avenida onde aquele motorista a abordou. Naquela mesma calçada, em que naquele dia ela ia apressada em busca de seu ônibus, algumas prostitutas se postavam, aguardando clientes.


Até então ela não se dera conta, mas vendo aquela cena a ficha finalmente caiu: aquele sujeito, semanas atrás, a tomara por uma prostituta!


Nisso tudo, porém, algo a surpreendia até mais: ao fazer tardiamente essa descoberta, não estava se sentindo como que insultada. Aquele pequeno mal-entendido passou a rondar-lhe como uma provocação...


Ficava atônita em pensar: como poderia? Ela tinha 42 anos. As mulheres que perambulavam por lá oferecendo seus corpos eram muito mais jovens.


Uma ponta de orgulho a tomava, ao pensar que podia sim despertar o desejo de desconhecidos.


Passou a se examinar ao espelho. Começou a repetir esse ato em casa, sempre que estava sozinha. Primeiro normalmente vestida, depois com a lingerie comum que usava sempre.


Finalmente passou a se ver nua. Passou a exibir-se ao espelho como se algum observador, a ser provocado, houvesse do outro lado...


Suas aventuras pela internet passaram a ser mais ativas. Antes ela simplesmente abria sites, entrava em salas de bate-papo de sexo somente por curiosidade. Para ver do que conversavam, as fotos postadas.


Agora interagia. Respondia aos que a procuravam. Conversava em tons cada vez mais quentes. Começou a usar palavras que jamais pronunciava. Descobriu que se excitava ao escrevê-las. Mais que isso: excitava-se muito, tendo um enorme prazer, vendo que tinha o poder de mexer com as libidos de seus interlocutores.


Propôs a si mesma que sua ousadia pararia por aí­. Rejeitava todos os convites para um encontro real, mesmo que fosse uma conversa sem compromissos numa cafeteria.


Mas quase todas as tardes, após desligar o computador, antes que o marido e filhos chegassem, trancava-se em seu quarto. Ficava nua de novo ante o espelho, imaginava um observador, rememorava as cenas que tinha criado no virtual com seus parceiros de chat. Seguia nesse ritual, olhos fechados, a mão delicadamente buscando seu sexo, insistindo, até obter seu gozo.


Começou a pensar em criar coragem para uma ida a um sex-shop...


Conversando com as pessoas das empresas perto da USP, que visitava todas as semanas, descobriu a rotina daquela avenida. Era relativamente tranqí¼ila até umas cinco e pouco da tarde, quando pessoal da Universidade saia.


As prostitutas começavam a chegar com o anoitecer. Ela passava por lá em torno de quatro, quatro e meia da tarde. Começou a ir e vir por lá. Parava fingindo atender um celular. Sentia um frisson tomar seu corpo, quando um carro passava devagar, motorista pondo-lhe olhos.


Mudou seu vestuário. Dos jeans e scarpins confortáveis, passou a usar saias e saltos altos. A mudança foi muito elogiada nas duas firmas...


Depois, mais um estágio: Na saí­da, passava no toillete de um mini-shopping que havia pelo caminho. Ajustava a saia, até então discreta, para que subisse mais acima dos joelhos.


O ritual do ir e vir pela avenida continuou. Mas agora, os carros não só diminuí­am a marcha. Paravam...


O primeiro que parou a deixou sem palavras. Tomada pela timidez não conseguiu entabular conversa e o motorista, um tipo bem grosseiro, deu partida e arrancou.


Mas ela pensou melhor, relembrou suas conversas de chat que a excitavam tanto e traçou uma estratégia: não queria nenhum risco, só um pouco de diversão. Bastava ser ali investida por alguns momentos na persona de uma puta de rua. Sua defesa seria o preço alto...


E agora ela já tinha sua cena preparada.


No outro dia, postou-se lá. Saltos altos, a saia no meio da coxa. Um carro parou;


- Oi gata! Como que é?

- Tesão! Tá afim de foder uma puta bem tarada?


O sujeito recuou. Não era normal, só bem mais tarde ela descobriu, uma prostituta assumir a própria persona, do jeito tão explí­cito que ela tinha feito.


- Como é que é?!!!

- Teu caralho é grande? Se for gostoso eu chupo até gozar, dou a buceta e o cuzinho... Quer?


O sujeito engasgava:


- Q-Quan... Quanto é?

- Quatrocentos reais, tesão...


Estava obviamente fora do orçamento dele. Retirou-se. Não sem antes ela poder constatar a excitação dele se avolumando sob sua calça.


Passou a viagem de volta a Valinhos indócil. Cruzando e descruzando as coxas. Ao chegar em casa, insinuou-se toda para o marido. Como os filhos ainda tardariam a chegar, uma relação aconteceu. Mas aquém, bem menos do que algo que sustentasse todo seu desejo.


Embora morresse de medo de ser vista por conhecidos, tornou rotina toda a terça e quinta aquele passeio pela avenida.


Eles vinham, paravam, olhavam-na despindo-a com os olhos - o que a molhava profundamente - e negociavam.


O que ela queria era isso: provocá-los. Mexia com os desejos, daqueles homens, excitava-se muito com isso. Mas sempre fechava a porta com o preço inacessí­vel.


Alguns eram profundamente grosseiros. Agora já sabia lidar com eles. Usava femininamente toda sua ironia. Esses sofriam nas mãos dela... Outros eram até delicados. Não foi nem uma, nem duas vezes em que ela quase cedeu. Mas a decisão de que sua fantasia parava por ali se mantinha.


Uma vez morreu de pena. Cada vez mais ousada, ela fazia com eles abrissem a calça e lhe mostrassem o membro. Dizia a eles que se gostasse do que via daria um desconto. Um dos "clientes", ao ouvir dela que queria fazer sexo anal teve uma ejaculação precoce. Penalizada, ela tirou um lenço de papel da bolsa e deu-lhe. Sem palavras, o coitado fechou o vidro da porta e partiu.


Já estava decidida a acabar com isso tudo. Alguém conhecido ia acabar vendo-a lá, fora toda série de riscos que, mesmo a luz do dia, essa maluquice acabaria lhe acarretando.


Decidiu: aquela quinta-feira, fosse abordada por "clientes" ou não, seria definitivamente a última dessa loucura.


Um Toyota cinza parou. Ela se aproximou, mas a janela de vidro não abaixava. Ela bateu com a mão direita e o motorista a fez baixar.


- Oi querido, que bom que você veio! Estou doida por um caralho bem gostoso na minha boca, na minha buceta e no meu cuzinho...


Variando, essa era sua abordagem padrão, que sempre excitava, mas também desconcertava os "clientes"...


O sujeito, homem maduro, provavelmente um professor, a olhava algo atônito.


- Você dá conta de uma puta bem tarada, não dá?


Ele continuou olhando-a, agora com um certo sorriso, um tanto enigmático.


- Desculpe, querida. Você é muito apetecí­vel. Mas eu parei aqui só para usar meu celular... - olhou-a de alto a baixo e sorriu de novo...


Ela se afastou e foi embora. Sentia-se envergonhadí­ssima. E preocupada. Tinha a sensação de que já vira aquele sujeito antes, não conseguia lembrar-se de onde. Era definitivamente o sinal de que aquilo devia parar.


Não repetiu mais aquele ritual. Nem o dos chats na internet, que não mais lhe satisfaziam.


Como compensação, tinha, sim, criado coragem para ir a um sex-shop e comprado um consolo, um pênis de plástico que passou a ser sua única ousadia.


Este era sempre usado nas tardes que estava só em casa. Quando sua imaginação se inspirava em todos aqueles homens que a haviam abordado, todos aqueles membros que ela lhes fez exibir, rijos por causa dela.


Semanas depois, hora do almoço, estava em São Paulo. Não tinha compromissos de tarde. Planejava umas compras no Shopping e depois um taxi de volta ao ponto em que passava seu ônibus de volta a Valinhos. Aceitou de ir almoçar com amigas que tinha numa das firmas que assessorava, num restaurante ali perto.


Aquela tí­pica conversa fluente de mulheres seguia, até que ela de repente se cala. Alguém em uma das mesas por perto a olhava. Tentou conter o rubor na face, esforçou-se em desviar o olhar.


Ali do lado, mirando-a, estava o cavalheiro do Toyota cinza...


Terminado o almoço, suas amigas voltaram para a empresa no carro de uma delas, enquanto ela pegaria um taxi até o shopping.


Foi ao toillete, inclusive para amainar o calor e o susto de reencontrar aquele homem que certamente a identificara.


Na saí­da uma tempestade se desabava sobre a região. Taxis, como sempre nessas horas, desaparecem.


- Que boa hora para uma tempestade!...- alguém atrás dela puxa conversa.


Ao virar-se dá de frente com o tal cavalheiro. Ele continua a conversar, fala como se não se lembrasse dela. Mas seu olhar tem outro discurso...


Forçados a ficar ali pela chuva que cria enxurradas pela rua, mais de meia hora se passa. Como sempre acontece quando ela fica nervosa, começou a falar muito. Acaba, mais para preencher o vazio, tentando esconder todo seu desconforto, contando o que fazia profissionalmente, o que pretendia fazer naquela tarde, planos que a chuva atrapalhava.


Finalmente a chuva amaina, ambos saem, coincidentemente pelo mesmo caminho.


- Olha, estou indo lá para os lados do Shopping Morumbi. Se quiser, pode aproveitar a carona. Meu carro está num estacionamento na outra quadra...


Ela iria agradecer e declinar da oferta, mas ele continua:


- Aliás, não sei seu nome, mas loira como a Catherine Deneuve você é. Não se chama Belle de Jour, por acaso?


Ela, petrificada o mira sem palavras. Ele ri e continua:


- Não se assuste: não sei se você acredita em coincidências, mas elas acontecem...


Ele a olha bem nos olhos:


- Eu vi você várias vezes já. É sempre meu caminho. Te conheço pouco, mas sei o que você não é. E o que fantasia ser. Saiba de uma coisa: muitas mulheres têm essa fantasia, poucas, como você, têm a coragem de fazê-la...


Ela sente-se totalmente sem defesas. Mas ele a olha de uma forma terna.


- Desculpe, querida. Um dos meus defeitos é falar tudo o que penso. Mas acredite, uma das minhas qualidades é guardar segredos. Aliás, apreciei muito aquela sua apresentação semanas atrás lá na Transformarte...


Então era isso: ele era um dos membros da USP que foram assistir sua conferência.


Ele pega sua mão:


- Bem, o que aconteceu nesse fim de almoço, morre aqui. Não se preocupe...


Soltou sua mão e entrou no estacionamento.


Ela ficou ali na calçada. Com um sentimento misto de alí­vio, mas também de inquietação.


Essa inquietação se transformou em algo como uma incorporação. Sim, aquela dama ousada da calçada estava retornando.


Ficou ali na porta do estacionamento. Quando ele saiu, fez sinal para que parasse.


- Tem algumas horas livres?


Ele parece surpreso, mas sorri, da forma marota que um menino sorriria, antevendo uma traquinagem.


- Acho que posso ter umas duas horas...

- Pouco. No mí­nimo quatro...


Novamente surpreso, ela pede que ela aguarde. Saca seu celular e fala com alguém, aparentemente dando alguma desculpa para cancelar uma reunião.


Ela também pega o seu. Liga para casa. Como é dia que a empregada está por lá, manda deixar um jantar preparado. Avisa que surgiu um imprevisto e chegará mais tarde...


Ele abre a porta. Ela entra.


- Tem algum motel preferido?- ele pergunta.

- Sim: o mais próximo...


Enquanto ele dirige, ela não se contém e coloca a mão esquerda entre suas coxas. Sente a excitação dele tomar volume...


Ela tem pressa:


- Por favor: pode ir mais rápido?


Fantasias há muito tempo cultivadas não podem mais esperar para serem vividas...


LOBO



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