A Sacerdotisa do Desejo
- Temas: bdsm, bondage
- Publicado em: 20/03/25
- Leituras: 767
- Autoria: vicente_braga
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A porta de vidro estava aberta quando entrei.
Ela não me notou.
Sentada atrás de uma mesa de escritório, pernas cruzadas, deslizava a lixa sobre as unhas com um foco distraído, os olhos baixos, alheia ao ambiente. O vestido listrado preto e branco moldava-se ao corpo, desenhando suas curvas com precisão. O tecido havia subido o bastante para revelar pernas bem torneadas, a pele lisa contrastando com o brilho discreto do salto que balançava sob a mesa, desenhando círculos no ar.
Havia algo hipnótico no gesto, na forma como o tornozelo oscilava lentamente. Um corpo feminino natural, sem excessos, sem artificialidade.
O cheiro de café recém-passado misturava-se ao perfume dela. Algo quente, levemente adocicado, discreto, mas presente.
— Bom dia.
Ela ergueu o rosto, piscou rapidamente, como se voltasse de um devaneio. Os óculos escorregaram um pouco pelo nariz e, por trás das lentes, os olhos me percorreram de cima a baixo, sem pressa, sem qualquer resquício de timidez.
Um instante de reconhecimento passou pelo seu rosto antes que um sorriso contido se desenhasse em sua boca.
— Dante Ferraro?
A familiaridade no tom dela me pegou de surpresa.
— Nos conhecemos?
Ela largou a lixa sobre a mesa, ajeitou os óculos com delicadeza e então se levantou, os movimentos calculados, suaves.
— Seu rosto está na mesa do Rodrigo.
Aquilo me atingiu em cheio.
Rodrigo Souza Castelli, meu melhor amigo. Casado com Helena Santiago Castelli, a mulher que eu…
Respirei fundo, mantendo a expressão neutra.
Ela se aproximou, e a visão completa dela em pé me permitiu notar melhor a cintura fina, os quadris bem desenhados, a forma como o vestido colava ao corpo sem esforço. Seus passos deslizavam abafados pelo tapete.
Quando ficou a poucos centímetros de mim, esticou a mão.
— Sou Anna Hoffmann. O Rodrigo fala muito de você, é um prazer conhecê-lo.
Apertei sua mão, sentindo o toque firme, mas suave.
— Rodrigo é um velho amigo. — Segurei seu olhar por um instante a mais do que o necessário. — Gostei do seu sobrenome. Soa como o de uma vilã de novela.
Ela inclinou levemente a cabeça, os olhos cintilando com um brilho indecifrável.
— Cuidado, posso ser uma vilã em um dos seus casos.
Por um segundo, pesei suas palavras, mas soava como um comentário jogado ao acaso. Uma provocação leve, dita com a naturalidade de quem sabe o efeito que causa.
— E cadê o cabeçudo do Rodrigo? Já chegou para trabalhar?
— Pior que ainda não. — Ela parou, como se calculasse algo. — Na verdade, já tem uns dois dias que ele não aparece aqui. Talvez esteja trabalhando de casa. Ou com algum cliente.
Cruzei os braços.
— Nem por telefone?
Anna inclinou a cabeça levemente, como se tentasse puxar da memória.
— Não. Não nos falamos desde a última vez que ele esteve aqui. — Fez uma breve pausa antes de me encarar. — Por quê? Aconteceu alguma coisa?
— A esposa dele me procurou. Disse que ele sumiu. A polícia vai começar a investigar, mas estou me adiantando.
Ela me observou por um instante, os lábios entreabertos como se fosse dizer algo, mas apenas soltou um som vago.
— Hmm. Talvez eu possa ajudar.
A voz saiu baixa, quase um sussurro. Anna se curvou sobre a mesa, pegou um papel, escreveu algo, dobrou e deslizou até minha mão.
— Mas prefiro falar disso fora daqui.
Inclinou-se para frente, a boca próxima demais da minha.
— Esse é meu endereço. Hoje, às oito, é um bom horário.
— Certamente vou te procurar.
Por um instante, meus olhos caíram nos lábios dela. Um sorriso discreto surgiu antes que ela se afastasse.
— Bom, e posso te ajudar em algo mais detetive?
— Será que eu poderia dar uma olhada na sala dele?
Mostrei o molho de chaves que Helena havia me dado. Anna observou por um instante antes de erguer os olhos para mim.
— Claro. Me acompanhe.
Ela saiu da mesa e caminhou à frente. O vestido subiu ligeiramente a cada passo, revelando um pouco mais da pele macia acima do joelho. Um convite involuntário, ou talvez não tão involuntário assim.
— E Rafael Garcia?
— Esse, sim, anda mais sumido que Rodrigo. Faz uma semana que só falo com ele por telefone.
Isso me incomodou. Rodrigo sumido. Rafael distante. Algo estava fora do lugar.
Chegamos à sala. Anna entrou primeiro, deslizando os dedos sobre a mesa de Rodrigo, como quem acaricia uma lembrança.
Depois, virou-se para mim.
— Espero que ele esteja bem.
Acendi um cigarro.
— Se importa?
— Não, tudo bem.
Tive a impressão de que ela me observava com um interesse discreto.
— Parece que vocês eram bem… próximos.
Deslizei o olhar pelo corpo dela, imaginando se Rodrigo já havia provado daquela mulher.
— Sim. Dos advogados que trabalham aqui, é com ele que eu tenho mais intimidade.
Eu remoendo a culpa por estar com Helena, e ele, pelo visto, tinha seus próprios segredos.
— Vocês…?
— Oh, não. Não mesmo. — Ela riu, balançando a cabeça. — Ele é apaixonado pela esposa.
Meu estômago revirou de leve.
Traguei o cigarro devagar, soltando a fumaça com calma.
— Sabe se Rodrigo tinha alguma desavença com algum cliente, com os outros dos advogados? Com o sócio?
— Não. No geral, parecem se dar bem.
Fiquei observando Anna por um instante. A forma como escolhia as palavras, como mantinha o olhar firme.
— Podemos manter segredo sobre minha visita?
Ela segurou meu olhar por um momento antes de responder:
— Sim, pode contar comigo.
Se aproximou devagar. Meus olhos desceram para os lábios dela, bem desenhados, úmidos, como se tivessem sido tocados pela ponta da língua um segundo antes.
— Não confie em ninguém deste escritório. — O sussurro roçou minha pele. — Todos eles têm seus segredinhos.
— E isso inclui a senhorita?
Anna deslizou o rosto rente ao meu, seus lábios quase roçando os meus antes de abrir um sorriso travesso.
— Talvez.
Nosso hálito se misturou por um segundo. Quase nada. Mas o suficiente para deixar no ar uma tensão que não se dissipou quando ela se afastou.
— Irei me ausentar, vou resolver uma questão no banco. Mas fique à vontade.
Ela saiu, e seu perfume permaneceu.
Agora eu estava sozinho.
Me encostei na mesa de Rodrigo e deixei o olhar vagar pelo ambiente. Era por isso que eu estava ali.
Rodrigo havia sumido. Sua esposa, Helena, a mulher por quem eu sempre fui obcecado, me ligou em prantos, dizendo que ele desaparecera. E, como nessas situações que desafiam a explicação, nós trepamos.
Agora, eu estava ali, fingindo ser um bom amigo. Ajudando a procurar o homem que eu traí.
Soltei um suspiro.
— Que merda, Ferraro.
Na mesa, uma foto chamou minha atenção. O dia do casamento dele.
Eu, Rodrigo e Helena, sorrindo. Eu com uma tesoura na mão, Rodrigo com a gravata retalhada, Helena levantando um sapatinho vazio, rindo.
Balancei a cabeça, afastando os pensamentos.
Abri a gaveta. Algo brilhou sob a luz.
Editora Fascínio.
Rodrigo não era apenas advogado, era também um escritor de contos eróticos. Um segredo que poucos conheciam. Talvez, ali houvesse algo que trouxesse uma nova pista.
O clique da maçaneta me tirou dos pensamentos.
Num movimento rápido, deslizei o cartão da Editora Fascínio para o bolso do casaco.
Rafael Garcia entrou.
Terno alinhado, sorriso cortês, mas o olhar carregava um traço de ironia. O tipo de cara que falava como amigo, mas analisava como um oponente.
— Ora, ora... Dante Ferraro.
Fechou a porta atrás de si e cruzou os braços, encostando-se na madeira com um ar ensaiado de superioridade.
— Helena ligou pra você pedindo ajuda?
Parei por um instante, estudando a maneira como ele me olhava. A provocação estava ali, nas palavras escolhidas, no meio sorriso que dizia mais do que devia.
Traguei o cigarro devagar antes de responder.
— Sim. Você sabe algo sobre o paradeiro de Rodrigo?
Rafael inclinou a cabeça, como se aquilo fosse um incômodo menor. Enfiou as mãos nos bolsos, ajeitou o relógio no pulso e suspirou — um gesto teatral demais para o meu gosto.
— Temo que ele tenha mexido com a mulher errada.
Ajeitei o cigarro entre os dedos.
— Que mulher?
Ele sorriu de canto, se divertindo com a própria provocação.
— Rodrigo andava obcecado por uma mulher. Ela ocupa o palco do Rouge às quartas-feiras. Máscara no rosto, corpo de pecado. Ninguém sabe quem ela é. Nem mesmo o dono daquele pulgueiro.
Fiquei em silêncio.
— Todos a desejavam. Rodrigo, claro, não seria exceção.
Mantive a expressão neutra.
— Você sabe o nome dela?
Ele hesitou.
— Não tenho certeza… Mas acho que Luna Lee. Ou algo assim.
O nome pesou no ar.
Luna Lee.
Já tinha ouvido esse nome antes. Circulava nos botecos do centro, sussurrado entre goles de cerveja e risadas abafadas. Um mistério que estava a inflamar a imaginação dos homens.
— E você e Rodrigo… andavam se dando bem?
O brilho de diversão nos olhos de Rafael era quase irritante. Ele sabia exatamente onde eu queria chegar.
— Por que a pergunta? Ele é meu sócio.
Inclinei levemente a cabeça.
— Porque, até onde me lembro, você sempre olhou para Helena de um jeito diferente.
O sorriso dele se alargou, carregando um traço de malícia.
— E quem não olha para Helena assim, não é, Dante?
Meu silêncio foi suficiente para arrancar dele uma risada baixa.
Então ele olhou para o relógio, ajeitou as abotoaduras do paletó com um gesto despreocupado.
— Bom, fique à vontade. Me avise se descobrir algo interessante.
Deu dois passos em direção à porta.
— A recepcionista não está, mas acredito que hoje não devemos receber mais ninguém.
Antes de sair, Rafael lançou um último olhar.
— Agora, se me der licença, tenho um compromisso inadiável.
E saiu, deixando no ar um rastro de provocação.
Mais tarde, em meu apartamento.
O vapor quente da água ainda pairava pelo banheiro. A lâmina deslizava devagar pelo meu rosto, arrastando a espuma branca e revelando a pele sob o aço frio.
Hoje vou ao Rouge.
Tenho certeza de que vou encontrar algo por lá.
Passei a lâmina debaixo do queixo, subindo até a altura da mandíbula. O espelho refletia um olhar carregado de pensamentos.
Mas antes… vou fazer uma visita àquela mocinha.
Anna Hoffmann.
O telefone tocou.
Soltei um suspiro, joguei a lâmina na pia e enxuguei rapidamente o rosto com a toalha. Saí do banheiro, atravessando o pequeno apartamento até a sala.
Peguei o telefone.
— Alô.
— Dante…
A voz dela soou do outro lado, baixa, quase preguiçosa.
Diferente da noite anterior.
— Conseguiu alguma pista?
Helena.
Fiquei em silêncio por um instante antes de responder.
— Ainda não. Estive no escritório dele hoje.
— Eu soube.
Fiquei em silêncio.
Ela falou com Rafael. Eu achei melhor não demonstrar estar incomodado com aquilo. Dei uma olhada no relógio pendurado na parede. Faltavam vinte minutos para as oito.
— Nesta noite, vou ao Rouge.
Ela suspirou, mas não parecia ansiosa.
— O investigador Carlos Coimbra esteve aqui. Ele disse que trabalhou com você.
Minha mandíbula travou levemente.
— Já vão começar a investigar?
— Sim… — A pausa veio carregada de um sorriso que quase pude ouvir. — Mas você sabe como eles são. Devagar.
Soltei o ar pelo nariz.
Vão começar a investigar… Vocês transaram?
A pergunta veio, mas ficou apenas na minha cabeça.
— Amanhã te ligo te dando algum status.
Dessa vez, o silêncio partiu dela.
— Vamos marcar de nos ver.
Meu olhar foi até a janela.
— Preciso de um rosto amigo. — A voz dela ficou mais baixa. Macia. — Mas fora de casa. Não quero chamar atenção.
Fiquei em silêncio por alguns segundos.
— Tenho certeza que logo mais Rodrigo estará de volta. Amanhã, te ligo.
Ela riu baixinho.
— Espero que sim.
A linha ficou muda logo depois.
Coloquei o telefone no gancho devagar.
O que ela espera? Que o marido volte ou uma trepada com o melhor amigo dele?
A voz dela… nenhum tremor.
Isso me incomodou.
Helena soava precisa.
Voltei para o banheiro. A lâmina ainda me esperava na pia, ao lado da espuma espalhada no mármore.
Passei mais creme no rosto e terminei a barba.
Ao enxugar o rosto, joguei a toalha de lado e fiquei ali por um instante, os olhos no espelho. Algo no ar me incomodava. Algo errado.
Vesti a calça, abotoei a camisa devagar e peguei a jaqueta.
Antes do Rouge, eu tinha um endereço para visitar.
Estacionei o carro na Alameda Glete e fiquei ali por um momento, os dedos relaxando sobre o volante. Suspirei.
A noite estava quente, abafada. A luz amarelada dos postes deixava um brilho fosco sobre o capô do carro, e o silêncio da rua era interrompido apenas pelo som distante de um rádio ligado em alguma janela aberta.
Peguei um cigarro do maço, girei-o entre os dedos, observando o papel branco antes de levá-lo à boca.
Mas, antes de acender, parei.
Balancei a cabeça, olhando para o cigarro como se ele tivesse culpa de alguma coisa.
— Essa merda ainda vai me matar.
Mas acendi mesmo assim.
A brasa brilhou na ponta, iluminando meu rosto por um instante. Traguei devagar, sentindo o gosto seco do fumo preencher os pulmões.
Saí do carro e dobrei as mangas da camisa até os cotovelos. Atravessando a rua, entrei na Barão de Campinas.
Olhei o endereço anotado no papel. O número batia.
A casa era antiga, com a pintura descascada revelando camadas de cores que o tempo tentou esconder. O portão de ferro baixo rangia levemente ao vento, e as portas de madeira, pintadas de branco, exibiam manchas amareladas e lascas onde a tinta já se desfazia.
Quando ergui a mão para tocar a campainha, a porta da frente se abriu antes que eu pudesse alcançá-la. Uma senhora de cabelos grisalhos e costas curvadas surgiu no batente.
Esperei enquanto ela descia os dois degraus devagar. Quando finalmente ergueu os olhos para mim, analisou-me por um instante antes de abrir um sorriso animado.
— Ah! Você deve ser o menino que minha neta está esperando.
A voz era doce, arrastada pelo tempo, mas cheia de vida.
Ela abriu o portãozinho sem preocupação.
— Venha, entre. Ela está fazendo um cafezinho. Fique à vontade.
Agradeci com um aceno discreto, segurando o portão para que ela passasse primeiro.
Antes de seguir, ela virou-se novamente, como se tivesse lembrado de algo importante.
— Ah! Fiz pão de queijo. Estão quentinhos no forno.
Dante Ferraro, café, pão de queijo, uma doce senhora e sua amável neta. Não era exatamente o tipo de encontro que eu esperava para aquela noite. Mas apenas soltei um riso curto, joguei o cigarro no chão e o apaguei com a ponta do sapato antes de entrar.
Passei pela porta de madeira branca e entrei na sala. O cheiro de café fresco misturava-se ao aroma quente de pão de queijo, criando um ambiente acolhedor, quase caseiro demais para um cara como eu.
O lugar parecia ter sido preservado no tempo. Os móveis eram robustos, antigos, mas bem cuidados. Quadros cobriam as paredes, paisagens bucólicas e retratos envelhecidos, pintados à mão.
Segui pelo corredor, guiado pelo aroma forte de café. Ao chegar à cozinha, parei.
Anna estava de costas para mim, alheia à minha presença, descalça, vestindo uma blusinha branca de alças finas e uma saia leve, curta o suficiente para deixar as coxas à mostra. O cabelo estava preso em um coque frouxo, algumas mechas soltas na nuca, moldando um descuido proposital que só acentuava seu charme.
O bule de café fumegava ao lado dela na pia, e seus movimentos eram calmos, quase preguiçosos, como se estivesse sozinha no mundo.
Não anunciei minha chegada.
Aproximei-me em silêncio e, num movimento firme, pressionei meu corpo contra as costas dela, encurralando-a entre a pia e o meu peito.
Anna endureceu por um breve instante, apenas para relaxar logo depois, como se estivesse esperando por aquilo.
— Gostei da pontualidade, detetive.
A voz dela saiu num sussurro suave, carregado de um sorriso que não precisei ver para sentir.
Ela virou o rosto devagar, e nossos olhos se encontraram. Um jogo silencioso, um desafio travesso.
Não houve aviso.
O beijo aconteceu como um movimento natural. Os lábios quentes e macios, correspondendo ao toque com uma entrega provocativa. Minhas mãos percorreram sua cintura, os dedos explorando as curvas sob o tecido leve.
Deslizei as mãos por suas coxas, subindo a saia, sentindo o calor da pele contra meus dedos. Quando toquei sua calcinha, pressionando contra a renda, senti o arrepio percorrer seu corpo.
Mas então ela segurou meu pulso.
— Calma, detetive…
A voz dela saiu baixa, rouca, carregada de promessas que só me deixaram mais tenso.
E, num movimento ágil, escapou do meu toque.
Pegou uma xícara como se nada tivesse acontecido.
— Café?
Respirei fundo, forçando um meio sorriso.
— Sim. Preciso me manter acordado. A noite promete ser longa.
Ela riu de canto, pegando um pratinho antes de abrir um pequeno armário.
— Vou pegar uns biscoitinhos, te levo na sala. Pode ser?
— Me disseram que tem pão de queijo.
Ela sorriu, me lançando um olhar divertido por sobre o ombro.
— Você vai adorar os pães de queijo dela.
Voltei para a sala e me joguei no sofá, tentando dissipar a tensão que permanecia no meu corpo.
Anna chegou logo depois, equilibrando uma bandeja. Colocou-a sobre a mesa de centro, pegou uma xícara e me entregou antes de se sentar ao meu lado.
Acomodou-se com naturalidade, cruzando as pernas, os pés descalços roçando o tapete. Pegou sua própria xícara, tomou um gole e me observou.
— Espero que goste de café forte.
Levei a xícara à boca e tomei um gole. O amargor queimou minha língua, o sabor intenso demais, quase agressivo.
Fiz uma careta discreta.
Ela sorriu.
— Ainda estou tentando acertar a mão, marca nova.
Girou a xícara entre os dedos, me observando.
— Vai ao Rouge esta noite?
Meus olhos se estreitaram levemente.
— Sim. E então, no que você acredita que pode me ajudar?
Inclinei-me, deixando a xícara na mesinha. Mas, no instante em que me ergui, minha visão ficou turva.
O ambiente oscilou.
— Semana passada, o Rodrigo me confessou uma coisa…
Tentei me concentrar no que ela dizia, mas sua voz começou a soar arrastada, como se viesse de muito longe.
As palavras dela foram se desfazendo em ecos distorcidos, cada vez mais distantes.
Minha cabeça pendeu para trás.
— Dante? Está tudo bem?
A sala girou.
Os olhos dela foram a última coisa que vi antes de tudo apagar.
Minha cabeça pesava.
O primeiro sentido que voltou foi o tato.
O chão era rígido e gelado, a textura áspera roçando contra minha pele. Um anel metálico pressionava os tornozelos, frio como lâmina.
Tentei me mover.
Nada.
Os punhos também estavam presos, erguidos acima da cabeça. Não eram algemas comuns. O ferro era bruto, pesado, como se tivesse sido forjado há séculos.
Minha mente ainda estava lenta.
O gosto amargo do café impregnava minha língua.
Foi então que percebi.
Eu estava nu.
Uma corrente fria atravessou meu corpo.
Tentei falar.
Nada.
Minha garganta se contraiu de forma estranha. Minha boca se abriu, o ar escapou, mas minha voz não veio.
O que caralho estava acontecendo?
O pânico apertou meu peito. A respiração acelerou, descompassada. Fechei os olhos com força, esperando que, ao abrir, tudo não passasse de um delírio, uma porra de um pesadelo maldito.
Mas quando pisquei de volta para a realidade, a visão continuava embaçada. As sombras tremulavam, distorcidas pelo brilho fraco que começava a surgir à minha frente.
Luzes.
Velas.
Figuras encapuzadas tomaram forma ao meu redor, emergindo da penumbra como aparições de um culto sombrio. Trajavam túnicas negras, pesadas, o tecido fluindo ao menor movimento. Os capuzes ocultavam seus rostos, criando vazios onde deveriam haver feições humanas.
As chamas das velas oscilavam em mãos cobertas por longas mangas escuras.
Eram espectros imóveis, pairando ao redor do meu corpo preso, entoando um cântico grave, baixo, em uma língua que eu não conhecia.
Então, dois deles se aproximaram.
Eram altos. Fortes. A pele negra reluzia sob a luz trêmula das velas, músculos rígidos, corpos esculpidos como estátuas pagãs.
O primeiro ajoelhou-se ao meu lado.
Tentei me afastar, mas o ferro nos meus pulsos e tornozelos me manteve imóvel.
Ele deslizou algo morno sobre minha pele.
Um óleo espesso. Perfumado. Espalhando-se pelos músculos tensos do meu peito, descendo pela barriga, cobrindo os braços. Como se me ungisse para alguma merda que eu não queria entender.
A mão dele era firme.
Demais.
E o filho da puta não parou por aí.
Os dedos desceram.
Meu corpo inteiro enrijeceu.
Os olhos fixos em mim. O toque quente e invasivo envolvendo meu sexo. Segurando. Massageando.
Caralho.
Prendi a respiração. Meu maxilar travou, e a raiva explodiu em cada célula do meu corpo.
Tentei ignorar.
Mas o corpo humano é uma máquina traiçoeira. E antes que minha mente pudesse reagir, antes que a repulsa me fizesse querer arrancar minha própria pele, o sangue correu para onde não devia.
Eu senti a ereção pulsar contra a mão dele.
Não, porra!
Vi quando ele sorriu.
Meus punhos rasgaram a pele contra o ferro enquanto me debatia, os músculos rígidos de esforço, mas os movimentos eram inúteis.
Ele manteve o aperto.
Um segundo.
Dois.
Longos o bastante para me fazer querer gritar.
Então, soltou.
Meu peito subia e descia em descompasso, o coração martelando contra as costelas.
O outro homem ajoelhou-se à minha esquerda.
O calor da respiração dele roçou minha clavícula antes que um brilho metálico cortasse minha visão periférica.
Uma adaga.
O cabo adornado, a lâmina fina e curva. Uma lâmina cerimonial. Feita para incisão precisa.
O metal frio deslizou contra minha pele.
Devagar.
Senti o arranhão do aço, o aperto involuntário dos músculos, a ardência quente que veio logo depois.
O corte não foi profundo. Apenas o suficiente para que um filete de sangue serpenteasse pelo meu pescoço, deslizando quente até sumir no vazio.
Meu corpo ficou rígido.
Os dois se ergueram ao mesmo tempo.
O cântico mudou.
Continuava quase todo indecifrável, mas uma palavra ressurgia a cada início de estrofe.
Narceja.
Os encapuzados deram um passo para trás, expandindo o círculo até que apenas uma figura restasse no centro.
O silêncio caiu sobre a sala como um peso.
Os dois homens nus se aproximaram dela.
Dessa vez, a melodia recomeçou apenas em suas vozes, sozinha, profunda, grave. Carregada de reverência.
Narceja.
Ergueram o capuz da figura central.
O rosto ainda estava oculto por uma máscara ornamentada com penas finas nas laterais, os olhos estreitos, felinos, refletindo o brilho do fogo.
A túnica deslizou por seu corpo e caiu a seus pés.
A pele brilhou quente sob a luz das velas.
Seios pequenos e firmes, o ventre reto que se estendia até o arco perfeito dos quadris. As pernas torneadas, moldadas para a luxúria, uma escultura feita de tentação.
Ela sorriu.
Vi seus dedos deslizarem pelo rosto de um dos homens, traçando a linha da mandíbula antes de segurá-lo pela nuca e puxá-lo para um beijo. As bocas se encontraram com voracidade, umidade contra umidade, os corpos colados num encaixe perfeito.
Ao mesmo tempo, sua outra mão percorreu o peito do segundo homem, descendo pelo abdômen definido até chegar ao sexo dele.
Vi seus dedos envolverem a base, fechando-se lentamente ao redor daquela ereção grotesca. A pele escura e lustrosa contrastava com a delicadeza da mão dela, que começou a subir e descer devagar, apertando, testando a rigidez, deslizando a palma pela extensão daquele membro absurdo.
A ponta dos dedos circulou a glande, espalhando a umidade que já escorria dali. O homem soltou um ruído rouco, gutural, o maxilar travado enquanto ela continuava.
O ritmo aumentou. A mão subindo e descendo, brincando com o poder que tinha sobre ele.
Ela sorriu contra os lábios do primeiro enquanto masturbava o segundo. Os olhos semicerrados, um prazer perverso estampado no rosto. Como se saboreasse o efeito que causava. Então, sem tirar as mãos dos corpos deles, ela virou a cabeça na minha direção.
Me encarou.
Havia algo naquele olhar que fez meu estômago afundar.
Com um último aperto, soltou os homens sem pressa, deixando-os ali, duros, desejosos, hipnotizados pelo toque que já não era mais deles.
E veio até mim.
Quando chegou aos meus pés, abaixou-se e com as mãos no chão, começou a engatinhar. Deslizando como um animal prestes a reivindicar sua presa.
Meu coração martelava contra o peito.
Lembro-me de cada detalhe.
Cada sensação.
Ainda tinha comigo que tudo aquilo era um pesadelo ridículo.
Meu corpo começou a arder. Não sabia se era a presença dela emanando um calor infernal ou se era os efeitos daquele maldito óleo.
Então, sua língua emergiu.
Quente. Úmida.
Arrastou-se pela lateral do meu abdômen, traçando uma trilha agonizante, deixando minha respiração pesada.
Os lábios roçaram minha virilha.
Os dedos deslizaram pelo meu sexo, explorando a rigidez. Apertaram, testaram.
Tomaram posse.
Eu estava duro.
Porra.
Eu estava completamente ereto, apesar de toda aquela merda.
A boca dela se abriu devagar, quente, lasciva, provando cada centímetro antes de me engolir inteiro.
O ritmo era preciso. Feito para me torturar e me adorar ao mesmo tempo.
O ar ficou mais pesado.
O sangue latejava no meu crânio.
Eu cedi.
Quando estava prestes a perder o controle, ela se afastou.
Subiu pelo meu corpo, as unhas cravando-se na pele, deixando um rastro de ardência.
O hálito quente se misturou ao meu.
— Dante… — Ela sussurrou, um gemido travesso entre os dentes. — Esperei tanto tempo…
Quem é você? Sua puta.
Apenas pensei.
Seus olhos não desviaram dos meus enquanto sua mão envolvia meu sexo, pressionando, sentindo a pulsação forte contra seus dedos. Ela se ergueu levemente, ajustando-se sobre mim, e então desceu devagar.
O calor da sua intimidade me engoliu centímetro por centímetro.
Ela gemeu baixo, a boca entreaberta enquanto me tomava por completo.
A cabeça dela tombou para trás, os cabelos soltos dançando contra a luz das velas. Os seios subiram com a respiração acelerada, a pele reluzindo sob o brilho do fogo.
Então, começou a se mover.
Devagar.
Ondulando os quadris, sentindo cada fragmento da posse que assumia sobre mim.
De repente, o retumbar de tambores ecoou pela sala.
Tum... Tum... Tum...
Primitivo.
O ritmo lento marcava cada deslizar do seu corpo sobre o meu, cada centímetro de fricção entre nós.
Ela rebolava em círculos, ora cavalgando, ora deslizando, ajustando a velocidade como se ditasse as regras de um ritual ancestral.
Na verdade, era exatamente isso que fazia.
Seus olhos se fecharam por um momento, os lábios entreabrindo-se em um suspiro, enquanto sua boca murmurou algo incompreensível.
Os tambores cresceram.
Tum… Tum… Pá… Tum.. Tum…
A velocidade do seu corpo aumentou.
Mais forte.
Mais profundo.
Cavalgando-me com uma devoção animalesca, os dedos apertando meus ombros como garras, as unhas arranhando, deixando rastros na pele.
A sala desapareceu.
Só havia o som da pele contra a pele.
O cheiro de suor, luxúria e algo mais denso no ar.
Ela arqueou o corpo novamente, os gemidos ficando mais intensos, o prazer transbordando a cada movimento.
Quando deslizou as mãos pelo meu peito, seus dedos fincaram-se na carne do peito.
Ardiam.
Rasgaram.
O sangue aqueceu minha pele.
Eu grunhi.
Ela sorriu.
Os movimentos ficaram mais fortes, a excitação fervendo no corpo dela, os quadris martelando contra os meus, o frenesi crescendo como uma tempestade prestes a estourar.
Os tambores acompanhavam.
Tum Tum Pá Tum Tum Pá…
Seu corpo tremeu.
As costas se arquearam, os seios empinados contra a luz das velas, a cabeça jogada para trás, o cabelo deslizando sobre os ombros suados.
O gemido saiu rouco, profundo, vibrando em cada músculo que se contraia ao meu redor.
Ela gozou.
Porra!
E eu, eu estava perto.
Muito perto.
O corpo dela apertou-se contra o meu, sugando cada fragmento de sanidade que me restava, e então tudo explodiu.
Um espasmo me percorreu dos pés à cabeça.
O prazer me atravessou como uma lâmina quente.
O mundo se dissolveu no tremor do corpo dela sobre o meu, na forma como cavalgou até sugar tudo de mim.
Mas antes que meu corpo relaxasse.
Antes que minha respiração voltasse ao normal.
Ela deitou sobre mim de forma animalesca.
Os dentes se cravaram no meu pescoço.
A dor veio quente.
Cortante.
Profunda.
O sangue escorria pela pele.
Meu corpo inteiro paralisou.
Tentei gritar.
Nada saiu.
Eu sentia meu sangue sendo drenado.
A consciência oscilava.
A sala começou a se dissolver.
Os tambores se tornaram ecos distantes, tragados por um buraco invisível.
O calor do corpo dela sobre o meu esvaía.
Meu coração desacelerava.
Tudo foi ficando mais escuro.
Mais escuro.
Mais escuro.
Até apagar.
Algum tempo depois, acordei de sobressalto dentro do meu carro.
A respiração era curta, entrecortada, como se meus pulmões tivessem esquecido a função básica de puxar o ar. O suor escorria da minha testa, colando alguns fios de cabelo à pele.
Meu corpo doía.
Levei a mão ao pescoço, sentindo a pulsação acelerada. Meus dedos deslizaram pela pele, procurando o ferimento, a mordida... Mas não havia nada.
Puxei o espelho interno na minha direção. A imagem refletida não mostrava nada além do meu próprio olhar perdido, a pele limpa, sem cortes, sem cicatrizes.
Mas eu sentia.
Sentia o peso das algemas ainda nos pulsos. O calor do corpo dela sobre o meu. O arranhar das unhas cravando em meu peito.
Abri os botões da camisa, inspecionei cada centímetro da minha pele. Havia um pequeno arranhão no peito. Unhas.
Então olhei para o relógio no painel.
Duas da manhã.
Soltei o ar devagar.
Virei a chave na ignição. O motor roncou, um som grave que me trouxe de volta à realidade. Mas, em vez de ir para casa, entrei na Barão de Campinas.
A rua estava vazia, o silêncio da madrugada cortado apenas pelo zumbido distante dos postes e pelo ronco ocasional de um carro passando ao longe.
Reduzi a velocidade. Olhei para o endereço onde, poucas horas atrás, havia uma casa antiga de pintura descascada, com um portão de ferro baixo e uma porta de madeira gasta.
Mas não havia casa nenhuma.
No lugar dela, um motel barato exibia um letreiro piscante com uma placa de preços por hora.
Meus dedos se apertaram ao redor do volante.
— Mas que porra foi essa...?
O desconforto crescia no peito. Meu corpo ainda carregava a lembrança dela, como se eu tivesse sido consumido por algo além da carne, além do desejo. Algo que ainda pulsava em mim.
Eu precisava entender.
Mais tarde...
O letreiro da Castelli & Garcia Associados brilhava sob o sol da tarde quando entrei no prédio. Meu corpo ainda carregava um cansaço estranho, como se eu tivesse corrido uma maratona sem me lembrar.
A porta de vidro estava aberta quando entrei.
Ela não me notou.
Sentada atrás de uma mesa de escritório, pernas cruzadas, deslizava a lixa sobre as unhas com um foco distraído, os olhos baixos, alheia ao ambiente. O vestido listrado preto e branco moldava-se ao corpo, desenhando suas curvas com precisão.
Não é possível. De novo?
— Anna Hoffmann?
Ela ergueu o rosto.
Arqueou uma sobrancelha, deixando os óculos deslizarem até a ponta do nariz.
Não era ela.
— Dante Ferraro?
— Nos conhecemos?
— Seu rosto está na mesa do Rodrigo.
Um calafrio percorreu minha espinha. A sensação de déjà vu me golpeou como um soco.
Ela se levantou, e eu não pude evitar percorrer suas curvas com o olhar. O vestido justo delineava cada traço de seu corpo, os movimentos suaves carregavam uma confiança natural.
Quando parou à minha frente, estendeu a mão.
— Sou Solange Ramos. Muito prazer. O Rodrigo fala muito de você.
Minha mente gritava um não seco, cortante. Algo estava errado. Errado demais.
Respirei fundo, ajustando o olhar, puxando a razão de volta ao lugar.
— Ontem estive aqui... — minha voz saiu mais grave do que o esperado — Mas quem me atendeu foi outra pessoa.
Solange franziu o cenho.
— Outra pessoa?
— Sim.
Ela hesitou por um instante antes de dar um meio sorriso confuso.
— Bom... até onde sei, ontem não ficou ninguém aqui.
Minha expressão endureceu.
— Como assim?
— Por conta da greve de ônibus, eu não pude ir trabalhar. O senhor Garcia permitiu que eu ficasse em casa. Acho até que ele ficou sozinho aqui.
Uma sensação gelada deslizou pela minha espinha.
Me mantive imóvel por um momento.
Isso não fazia sentido.
Eu estive ali. Eu falei com Anna Hoffmann. Eu a toquei.
— E o Rodrigo? — minha voz saiu seca.
Ela balançou a cabeça.
— Ainda não chegou. Na verdade, ele não tem vindo para o escritório nos últimos dias.
Eu a encarei por mais um instante.
Meu corpo me dizia que a noite anterior foi real. Mas tudo ao redor gritava o contrário.
Soltei o ar devagar.
— Certo... — passei a mão no queixo — Bom, então eu volto em outra oportunidade. Se falar com o Rodrigo, por favor, peça para me ligar urgente.
Ela sorriu educadamente.
Dei meia-volta e saí do escritório.
O sol queimava minha pele, mas eu ainda sentia o frio daquela sala. O peso das correntes nos meus pulsos.
E o nome...
Narceja.
Eu não sabia se aquela noite tinha sido um pesadelo ou algo muito pior.
Mas meu corpo ainda carregava os vestígios dela.
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Esta é uma obra de ficção. Qualquer semelhança com pessoas, locais ou eventos reais é mera coincidência. Este conto foi escrito por Vicente Braga. Todos os direitos são reservados. O plágio é crime e desrespeita o trabalho do autor. Se deseja compartilhar, sempre credite corretamente.
*Publicado por vicente_braga no site promgastech.ru em 20/03/25. É estritamente proibida a cópia, raspagem ou qualquer forma de extração não autorizada de conteúdo deste site.